sábado, 26 de outubro de 2013

"E aí você disse que era para eu ir embora e eu fui.
Esse é um começo de livro. Um livro bonito, que eu comprei – como tantos – pelo nome, um dia: “L’enfer, son casino, sa plage” (o inferno , seu cassino, sua praia).
Mas nem é do livro que eu queria falar, e sim da frase e de seu contexto: uma mulher que é apaixonada por um sujeito que diz pra ela ir embora.
E ela vai.
Tantas vezes é assim: a gente não quer ir embora – mas é pra ir. Porque a outra pessoa, porque o mundo, porque tanta história. Porque já foi e não é mais. Porque tá escuro, tá cinzento, tá enevoado. Porque tem cheiro de tempestade. Porque algo puxa pra outro caminho, embora. Muito embora. Mas é pra ir e a gente sabe. A gente fecha os olhos apertado, a gente tapa os ouvidos com as mãos, a gente tenta não lembrar, mas no fundo a gente sabe. A gente sabe que sabe. Não quer saber que sabe, talvez: mas sabe.
E tem um dia em que a gente vai.
E, como na história do livro, a gente queria que tudo fosse outro, que o novelo da vida tivesse se desenrolado fazendo outros desenhos e que desse pra ficar. A gente pede, até, baixinho, olhando de lado: “me deixa ficar. só mais um pouquinho, vai.” Só que não. Não adianta, não é aquilo, o lugar onde a gente queria se enrodilhar já não existe mais. É um lugar-memória e pra lá dá pra ir às vezes. Depois. Quando não doer mais tanto.
Agora é hora de ir.
De arrumar a mochila, cuidando pra levar só o estritamente necessário: não tem sentido carregar peso demais, atrasa a caminhada. Atenção para os sapatos: se for possível, escolher dois pares – um que aguente o tranco, que seja companheiro das subidas e descidas dos terrenos desconhecidos, e outro levinho, uma sandália talvez, pra deixar os pés de fora em dias de sol, pra balançar na ponta do dedo, pra descalçar sorrindo.
Não tinha dito isso, e agora pode nem parecer: mas vai ter sorrisos também. Ainda vai ter, como não? Claro que vai. Sorrisos, de leve, à toa, braços abertos, banho de cachoeira, rede na varanda, conversas até de manhã. Gargalhadas, cigarros acendidos um no outro, mais cachaça, só mais esse, olhares de lado, olhares de frente, olhares. Mesas com poemas entalhados, o sol nascendo na praia, violão na Sé de Olinda, um jeito de tocar no cabelo.
Eu sei que não parece, mas vai ter.
Ah, se vai.
(mas isso é depois)
Agora, é hora de ir."
retirado do site: Biscate Social Clube

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